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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Epopeia Paraguaia – parte 2

Antes de qualquer coisa é bom deixar claro que esse texto, como o próprio nome pressupõe, é uma continuação da minha experiência como sacoleiro em Cidade Del Leste. A primeira parte foi publicada nessa mesma coluna na semana passada e está disponível para leitura na internet em meu blog www.meditoerrando.blogspot.com.

Bem, depois da impressão inicial, definitivamente estranha, você começa a se acostumar com o ambiente pouco amigável da cidade. Uma peculiaridade que chama à atenção é que em toda esquina há vendedores de churrasquinho. E o cheiro é bom, diga-se de passagem. Em contrapartida, não há cães e gatos de rua como aqui no Brasil. Curioso né? Será fruto de uma eficaz política sanitária paraguaia? Por via das dúvidas naquele dia almocei no McDonald’s.

Antes das compras fomos trocar dinheiro, pois em dólar americano os preços praticados são melhores que em real e, por incrível que pareça, muitas lojas não aceitam o guarani, que é a moeda oficial do país. Também não aceitam o peso argentino. Explicam que é por conta da falsificação. Existem várias casas de câmbio aglomeradas e, na maioria, há na porta um segurança com cara de poucos amigos armado com uma escopeta calibre 12. A presença desses leões-de-chácara é comum também nas lojas, o que aumenta a ideia de uma terra sem-lei. Dizem que você deve evitar criar qualquer tipo problema porque a polícia daquele lugar é corrupta e normalmente intolerante com os brasileiros. Durante toda a manhã não vi qualquer sinal de confusão.

Como fomos basicamente comprar brinquedos, percorremos vários comércios de departamentos nos quais você fica perdido em meio a tantos produtos. Deve ter sido difícil para vida humana evoluir, no passado, sem tanta coisa. Descobri pelo menos uns 10 novos itens sem os quais não poderemos mais viver nos próximos anos. As grandes lojas são abarrotadas e confusas, mas há uma certa ordem em meio à bagunça. Um detalhe bacana é que muitos comércios desmontam as embalagens dos produtos e te entregam a mercadoria de forma que fique mais fácil o transporte com menor volume, isso é muito importante para um sacoleiro. Fiquei espantando com o que fizeram com um urso gigante ao o embalarem à vácuo.

Quando aceitei o convite estava preocupado com o calor na fronteira e nem imaginei que acabaria passando frio na volta. Tudo graças à tempestade de granizo que caiu no meio da manhã e que tenho uma leve desconfiança que só aconteceu pelo meu azar, que não é pouco (às vezes acho que Murphy mora sentado na minha nuca e passa os dias batucando na minha cabeça). A cidade, que já é caótica com tempo bom, piorou. Vi pelo menos três batidas de carro. Revoltante é ver as pessoas aproveitarem a chuva para jogar na sarjeta o lixo que está na calçada. Usam a água para se livrarem de plásticos e papeis fazendo assim a limpeza de suas banquinhas, um gesto egoísta e burro, porque os poucos bueiros estavam todos entupidos fazendo um refluxo de água suja de volta à rua. Fiquei curioso de perguntar se estavam preocupados com o destino final do lixo, mas creio que eles não estão. Em meio à tempestade tivemos que correr com as malas para o ônibus, parado em um estacionamento próximo ao centro comercial. O medo de ser atropelado é recorrente, mas você tem que buscar seu espaço em meio aos carros. É comum pegar uns carregadores para ajudar a levar as muambas e aliviar um pouco o peso.

Compras feitas e todo molhado voltamos à nossa condução para retornar ao Brasil. Como estava todo molhado, tive que trocar de roupas na própria poltrona porque há uma lei que proíbe a abertura do banheiro em território paraguaio e não vale a pena esperar pela travessia, que pode durar horas dependendo do movimento. No nosso caso até que foi rápida, coisa de uma hora. É impressionante o ar de preocupação que toma conta dos sacoleiros na passagem pela alfândega, pois a maioria ultrapassa a cota de 300 dólares e traz produtos em grande quantidade, o que não é permitido. Para evitar desconfiança da fiscalização é pedido que as pessoas não fiquem andando dentro do ônibus durante o cruzamento, pois isso poderia ser entendido como uma tentativa de esconder mercadorias ilegais o que chama à atenção dos fiscais. Nós fomos parados, mas não chegamos a ser revistados, o que pareceu um alívio para muitos ali dentro. Para mim o alívio só veio mesmo no desembarque em Mafra, esse é o tipo de viagem de duas alegrias: uma quando você chega no lado de lá da fronteira e outra quando põe os pés de volta na soleira da porta de casa. Mas, para pessoas descompromissadas com o negócio, como eu, a viagem vale pela brincadeira e para matar curiosidade. Me rendeu duas boas colunas, acho que saí no lucro!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Colunas de Jornal

A partir deste mês, semanalmente postarei aqui os textos que assino no jornal O Norte. Serão colunas diversas, sem um rigor de estilo ou tema, mas leve, como deve ser o exercício do pensamento livre de amarras. Espero que gostem, essa é uma nova fase desse blog.

Epopeia Paraguaia

Existe uma vertente do jornalismo que é chamada de gonzo. Seu princípio é abandonar a objetividade e a seriedade do jornalismo tradicional, deixando a parcialidade da imersão do repórter tomar conta do texto, normalmente mais voltado à literatura que ao periodismo. O estilo foi criado nos EUA (sempre eles) pelo jornalista Hunter S. Thompson que, entre vários textos tresloucados, escreveu o genial “Medo e Delírio em Las Vegas”, lançado no Brasil como livro em 1984 pela editora Anima e que virou filme em 1998. Por aqui a obra “Henfil na China – antes da Coca-cola”, do cartunista Henfil, é um perfeito exemplo do estilo.

Ensaiei algumas experiências gonzo durante o tempo que passei trabalhando em navio e mantive um blog na internet (www.meditoerrando.blogspot.com). Dessas tentativas resultaram alguns textos bacanas como o dia que não vi o Grande Prêmio de F1 de Mônaco e a decepção que tive com os “corpos petrificados” pelo Vulcão Vesúvio no sítio arqueológico de Pompeia, na Itália. Mas há tempos que não tinha oportunidade de fazer uma matéria com ponto de vista interno. Período que durou até o último final de semana quando recebi o convite dum amigo, dono de uma loja de produtos importados, para acompanhá-lo ao Paraguai fazer umas compras para o Natal. Embarquei na viagem com expectativa de contar minha experiência como sacoleiro, algo que farei em dois capítulos para não ficar muito maçante e também pela limitação de espaço.

Pegamos o ônibus na sexta-feira, com mais de uma hora de atraso, no trevo da BR-280 em Mafra. Fazíamos parte de uma caravana de veículos lotados de passageiros divididos em experientes, inexperientes e curiosos, nesse último caso, eu. A viagem é longa, mais de 10 horas, mas não chega a ser cansativa na ida, pelo menos não se você tem Rivotril na mala. Existe uma certa tensão no ar por conta dos assaltos que ocorrem na estrada aos ônibus de excursão o que, felizmente, não nos ocorreu. Apesar dos detestáveis filmes de pseudo-comédia colocados no DVD pelo nosso guia, que chegou ao cúmulo de, na volta, tocar um show de Jorge & Matheus, consegui dormir. Aliás, conforto não é o forte desse tipo de viagem. Nossa primeira e única parada antes do Paraguai foi em Santa Tereza do Oeste, em um posto de gasolina de aparência duvidosa onde descemos para usar o banheiro e comprar algo na lanchonete. Impressionantemente às cinco da manhã já havia um torneio de sinuca no local e o prêmio era um leitão inteiro que estava pendurado ao lado da mesa de fichas (morto, óbvio). Na verdade, acho que presenciamos o final do torneio, uma visão tarantinesca, pois, além de uns bêbados concentrados na disputa, havia também algumas prostitutas oferecendo serviços aos jogadores e plateia.

Chegamos ao Paraguai às sete horas. A Cidade Del Leste é suja e, com a pouca luz da manhã nublada, é pouco amigável. Lembra bem os filmes do Van Damme passados em Bancoc no início dos anos 90. O comércio abre cedo, por volta das 6h, e nesse horário já existem muitas pessoas nas ruas com disponibilidade para tudo: alguns para carregar malas, outros fazendo serviço de guia para te levar às “melhores lojas” por uns trocados e alguns para te assaltar também, por que não? Os nativos só falam entre si em guarani, uma forma de preservar o teor das conversas que te irrita quando você está negociando com eles. Algo perfeitamente desnecessário porque o seu espanhol é tão incompreensível quanto o próprio guarani. A Vânia, uma simpática vendedora que me atendeu, explicou que o idioma é mais comum entre a parcela mais pobre da sociedade, que mantém mais a tradição da língua dos antepassados. Ela mesma disse que falava muito pouco de guarani, mas entendia quase tudo. Seu português, contudo, era exemplar. Os paraguaios dessa região de fronteira, aliás, falam muito bem a nossa língua o que facilita, em muito, a vida dos sacoleiros.

Passadas as impressões iniciais fomos às compras, porém, como já comentei acima, a continuação da minha epopeia paraguaia acontecerá na próxima coluna porque muita coisa naquele lugar é peculiar e chama a atenção, algo que não conseguiria contar em uma edição. Resumir histórias, afirmo, não é minha especialidade. Continuo na próxima semana.